internet das Coisas, Inteligência Artificial, Ciência de Dados. A lista pode ficar consideravelmente extensa quando paramos para pensar nas alternativas que temos hoje para lidar com a quantidade insana de informação disponível e com a ânsia de usá-la na esperança de tomar decisões melhores.
mas será que mais informação, ou querer demais usar o passado e as tendências do presente para prever o futuro, significa um melhor desempenho?
ou indo ainda mais longe:
será que tentar prever o futuro é realmente melhor do que ter a devida flexibilidade para se adaptar a ele?
mente agrícola e mente industrial
acumular e armazenar nos dá segurança e tranquilidade; está inscrito em nossos genes como espécie. Incerteza diminui as chances de sobrevivência, e nosso organismo, de forma sutil e sofisticada aprendeu com o tempo a lidar com isso se protegendo por meio da disponibilidade. Taiichi Ohno chama este tipo de pensamento de mente agrícola: sabemos mais ou menos o que esperar da natureza, mas não o suficiente, além do fato das culturas variarem em quantidade e qualidade dependendo do clima. Então, vamos nos prevenir estocando suprimentos das mais variadas formas e tipos – neste caso, vindos da agricultura e pecuária de subsistência – para as intempéries do futuro.
e ter uma mente agrícola é exatamente o que muitas empresas fazem até hoje, mesmo na dita pós-modernidade. Incorre-se em custos altíssimos para sustentar uma infraestrutura inchada em estoques dos mais variados estágios da cadeia produtiva, ao ponto de parecer mais vantajoso pagar juros dos empréstimos de capital para investir em produzir, do que receber juros dos excessos de caixa.
“Morando no fundo de nossos corações está a noção de que devemos colher e armazenar o máximo que pudermos, quando pudermos. Nós mantivemos uma atitude similar mesmo em nossas plantas e fábricas que praticamente já não são afetadas pelo tempo ou tais fatores. É difícil para nós desfazer a crença de que é melhor produzir o máximo que pudermos, quando pudermos, para nos protegermos contra quebras de equipamentos ou absenteísmo.” [1]
em contraste, temos a mente industrial, que Ohno propõe que deve ser muito realista, trabalhar com os fatos e de forma adaptável e flexível a eles. E nada mais convergente com isso do que o just-in-time1 e jidoka2, permitindo que o trabalho, em relação ao que fazer, quando, quanto e como se ajuste de forma autônoma no próprio ambiente de trabalho. [2]
a tecnologia potencializando a mente agrícola e aumentando os custos
a mente agrícola, nas épocas atuais, acaba permeando nossa relação com dados e especialmente informação: confundimos usar uma ferramenta com atender às demandas. Mas isso não vem de agora, e também era um problema para a Toyota nas décadas do século XX:
“Muito do excesso de informações geradas por computadores não é de modo algum necessário para a produção. Receber informações muito rapidamente resulta na entrega precoce de matérias-primas, causando desperdício, ou seja, informação em excesso lança confusão na área de produção.” [3]
hoje, há uma pressão enorme do mercado de software e automação para que as empresas sofistiquem seus sistemas de coleta, processamento e apresentação de dados e informações. Somos forçados e coagidos a parecermos empresas ultrapassadas se não temos os últimos sensores, as câmeras mais rápidas, ou o dashboard mais bonito para a nossa gestão cometer o erro de tentar atuar na vida real através do conforto do virtual.
as implementações podem e demonstram um retorno sobre o investimento, mas fica a questão de que será que realmente eram a única alternativa, ou apenas um tratamento de sintomas para os reais problemas do fluxo de informação da empresa, que costumam ser relacionados às regras de trabalho mais do que os meios? uma devida solução, ou um apelo por aparências e aos egos dos gestores e do mercado.
além disso, por mais que haja o retorno financeiro ao descobrirmos oportunidades de kaizen com essas tecnologias, qual é o custo secundário disso? quanta especialização é necessária para manter? e quando surgirem os problemas técnicos? como isso afeta a capacidade de pensar, analisar e a criatividade – inigualável – das pessoas?
“Na Toyota, não rejeitamos o computador, porque ele é essencial para planejar os procedimentos da sincronização da produção e calcular o número de peças necessárias diariamente. Usamos o computador livremente, como uma ferramenta, e tentamos não ser manipulados por ele. Mas rejeitamos a desumanização causada pelos computadores e a forma com que podem conduzir a custos mais altos.” [4]
por isso tenha cuidado: pode ser que tomar a decisão correta, no momento correto, na quantidade correta, seja muito mais importante – e barato – do que tomar a decisão mais rapidamente.
“Será realmente econômico fornecer mais informação do que precisamos – mais rapidamente do que precisamos? Isso é como comprar uma máquina grande e de alto desempenho e que produz muito. Os itens extra devem ser estocados em um depósito, o que aumenta os custos.” [5]
assim como o sistema Toyota de produção é um sistema de gestão e não somente de produção industrial, e que basicamente, tudo em uma empresa é informação sendo convertida em produto físico ou digital, nada mais justo do que se atentar ao just-in-time em tudo aquilo que fazemos, e termos um negócio que age como a água, sem excessos, e se adapta ao fluxo “natural” das coisas. Afinal, mesmo que algumas coisas se repitam, “prever é muito difícil, especialmente se for o futuro.”
por Bruno Vasquez
notas e referências
- sistema de trabalho onde a regra é produzir somente o necessário, quando necessário, na quantidade necessária. ↩︎
- neste contexto, automação de máquinas com um toque humano – “autonomação” -, onde estas conseguem detectar e prevenir de forma simples e inteligente defeitos e excesso de produção. ↩︎
[1] Shinohara, I. (1988) NPS – New Production System: JIT crossing industry borders. Cambridge: Productivity Press, p. 150
[2], [3], [4] Ohno, T. (1997) Sistema Toyota de Produção: além da produção em larga escala. Porto Alegre: Bookman, p. 43
[5] Ohno, T. (1988) Toyota Production System: beyond large-scale production. Portland: Productivity Press, p. 47
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